Porque as bizarrices cotidianas devem ser comentadas

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Guia SP - Descobrindo cantinhos da cidade

Para quem mora em São Paulo e acredita conhecer a cidade a fundo, sugiro ir à uma aglomeração de loucos intitulada "Arraial do Magal" - nome auto-explicativo para a festa junina mais exclusiva do Jardim Paulistano - acompanhada da chefe do destempero mental na Terra (e dos outros planetas também), uma lendária amiga, atual moradora de Ipanema, RJ. Para quem ainda não associou o nome à pessoa, aqui vai uma DICA .

Saindo da festa, corra da garoa contínua e entre no seu carro com um dos amigos presentes. Deixe que a mestra do descontrole vá em outro veículo, dirigido por um dos seus mais fiéis seguidores nesse lance de loucura e desorientação generalizada.

Vá até o Pasta e Vino e, antes mesmo de ter seu couvert e aquela sardela maravilhosa sobre a mesa, atenda a um telefonema da louca. Preste atenção, pois o assunto a partir de agora é um acidente de trânsito. Porrada da boa.

Logo de cara, foi-me dito que eles haviam batido com o carro após perderem-se na Av. 9 de julho, o que me surpreendeu em diversas esferas já que: a) é IMPOSSÍVEL até mesmo para alguém recém chegado do Xingu perder-se na 9 de julho, quem dirá duas pessoas que moraram durante toda a vida em SP; b) Que raios faziam eles na 9 de julho já que saímos da Rua Groenlândia e nosso destino seria a Barão de Capanema, PORRA?

Tá, havia muito álcool envolvido, havia sequelas causadas por Sidney Magal e seu camisolão do Brasil - a festa aconteceu em um ano de Copa, 98 quase certamente. Porque a gente é antigo e tem muita história dos anos 90 pra contar, percebe? Ah, e Sidney Magal estava de fato trajando um camisolão estampado nas cores do pavilhão nacional.

Considerando estes aspectos básicos, compreendi que não seria assim tão absurdo duas pessoas tomarem um caminho sem sentido, perderem-se na via de mais fácil locomoção da cidade e finalmente terem o carro destruído em algum acidente. Achei plausível.

Desnecessário dizer que fui intimada a resgatá-los e abandonei minha mesa prontamente. Primeira providência: saber exatamente onde as duas antas estavam paradas com o carro batido. Obtive a seguinte resposta:

"Estamos aqui na Praça dos Artesãos Calabreses"

Tá. Isso diz alguma coisa para alguém? Porque eu, naquele momento, paralisei minha expressão facial e retruquei:

"Legal. Mas vcs bateram na 9 de Julho, né? Em que altura da 9 de Julho fica esta porra deste lugar, do qual eu nunca ouvi falar?"

E passei a buscar na memória "Praça do Artesãos Calabreses.....Praça dos Artesãos Calabreeeeesessssss....." sem nenhum tipo de resultado satisfatório.

Daí obtive um importante esclarecimento:

"Pressssssta antnçzão!! A getz ze perrrrdeu na Novvvv Djulho. Mas batemsssss qui na praççççççççç. A praççççç não é na Novvvvv Djulho"

Fo-deu.

"E ONDE fica essa praça?? Olha em volta, onde você está??"

"Aaaachhhhh que na Vintchreis de Maio"

Ótimo. Fácil. Simples. 23 de Maio. Como foram chegar lá já paramos de questionar faz tempo, não é mesmo? Mas estavam na 23. O resgate seria simples, se considerarmos que as duas mulas haviam, provavelmente, entrado na avenida a partir da merda da 9 de Julho.

E lá fui eu, 23 de Maio acima.....23 de Maio abaixo.....acima novamente....abaixo.......em toda sua extensão. Realizei o percurso completo 4 vezes. Eles já haviam me informado que estavam SOBRE a tal praça. Ou seja, como não avistei carro nenhum e praça alguma, concluí que os filhos da puta NÃO ESTAVAM  na 23 de Maio porcaria nenhuma.

E uma puta chuva sem fim caindo.

Encostei o carro e iniciei um debate com o amigo que se fudeu junto comigo nesta busca. Onde poderiam estar os dois seres? Eles não estavam na 9 de Julho e acreditavam estar na 23 de Maio, o que não era verdade. Eles estavam em um lugar chamado Praça dos Artesãos Calabreses, precisávamos focar nesta informação duvidosa. Depois de muita especulação resolvemos que não sabíamos nada sobre este local e ainda corríamos o risco de estar correndo atrás de uma praça inexistente, um nome errado, essas coisas. E decidimos sair dirigindo sem rumo. Rodaríamos com o carro nos entornos das avenidas que haviam sido mencionadas pelos bêbados.

Foi quando, via 23 de Maio, peguei a saída que dá acesso à Radial Leste, porque a gente estava ali sem fazer nada mesmo, com tempo livre, noite bonita e tal... e o que eu vejo do outro lado da merda da avenida? O que eu vejo no lado contrário, onde está o acesso da Radial à 23? O quê?

O carro da criatura parado sobre um triângulo de grama que separa a pista pricipal da entrada para a 23 de Maio formando uma bifurcação. Os dois sentados na chuva como se nada houvesse ocorrido. Dei a volta, parei o carro, liguei o pisca alerta e perguntei:

"A polícia já veio? Quem colocou o carro no canteiro?"

"Nááááá, ezzztamzzzz sssperando o guinchhhh. O carrrrrrrr zubiu aqui com a batchidddda"

Era um canteiro com um muro de uns 60 centímetros. De alguma maneira eles voaram. Olhei para cima. Havia uma placa. Nome do canteiro, da BIFURCAÇÃO: Praça dos Artesãos Calabreses.

Paulistanos: trata-se daquela porçãozinha de grama que há antes da curva que nos leva à 23 de Maio quando estamos indo da Mooca para o Ibirapuera, por exemplo. Como é que duas pessoas não conseguem me dizer isso? E me falam que estão em uma PRAÇA na 23 de Maio?

Tudo o que sei é que entramos todos no meu carro e fomos embora. O veículo acidentado ficou lá na praça e eu realmente até hoje não sei o que foi feito dele. Vou me informar.

A partir de então, sempre que quero dar uma de superior inicio minhas orientações com a seguinte frase:

"Chegar lá é fácil. Sabe a Praça dos Artesãos Calabreses? NÃÃÃÃOOOO????" - com a minha melhor cara de reprovação e desprezo.

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