Porque as bizarrices cotidianas devem ser comentadas

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Manifesto Hilstiano - Porque os malas também têm coração.

Não sei se já deixei claro aqui, mas odeio, detesto e execro qualquer tipo de demonstração pública de inteligência sobre-humana. Que NÃO é o contrário da burrice sobre-humana que vemos diariamente estampada em basicamente tudo com o que temos contato, entendam.

A burrice abissal é o que vai acabar com a humanidade, é o que antecipará o grande evento de 2012, é aquilo que já comprometeu a civilização como um todo. Gente burra não conhece e nem sabe fazer uso da própria língua, seja ela qual for. Tudo bem que vejo tal fato repetir-se com mais frequência dentro das fronteiras nacionais, mas né. Qualquer verdade absoluta também é oriunda de uma linha de pensamento limitada, logo, não restrinjamos este princípio a este ponto isolado do mapa. Gente burra não entende piada; Gente burra cria, participa e dá crédito à fofocas; os burros nunca estão abertos à críticas; burros não têm condição de viver em sociedade pois são tacanhos e inadaptáveis. A tudo. E os burros também têm uma necessidade imensa de demonstrar a inominável capacidade mental que acreditam possuir. Pior que esses são aqueles da turma "não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe". Morram todos.

Isto é uma constatação minha, com embasamento frágil e restrita à minha nem tão pequena roda de amigos/inimigos/afins e gente com quem trabalho. Eu é que acho e acabou. Não mudarei de opinião. Mas o assunto aqui não é este e sim a inteligência sem medidas.

Só eu implico com aquele povo que sempre cita alguém teoricamente importantíssimo? Porque olha, eu tenho uma gana de mandar um xingo pra essa gente que fica tacando qualquer merda entre aspas em wall de Facebook e timeline de Twitter, citando a fonte, sem saber nem mesmo de quem se trata, que eu nem falo. Meu sonho é pedir pra um nego desses me explicar o que aquela frase quiz dizer. Ai meu cú, que raiva que me dá de gente inteligente. O cara não tem noção do que fez Nietzsche ou o pobre do Joyce, tampouco aquela besta do Che Guevara durante a vida, mas não titubeia em lançar uma frasezona lá, pra dar uma de bonito. Tá, até capaz de saber responder o que o Guevara fez - vai falar que foi guerrilheiro, que bode -, mas mesmo assim: corto minha mão direita se entender o conteúdo de uma, UMA citaçãozinha qualquer atribuída ao cara. Se fosse homem apostaria meu pipi nessa.

A pessoa cita Machiavel, Balzac, Kafka sem nunca ter lido uma porra de uma frase proferida pelos coitados com atenção. Ele vê lá no final EINSTEIN e vai na fé, achando que tudo é uma questão de energia. Se ele tem capacidade para citar Einstein é porque existe alguma sintonia ali, né?

Não, não é. É triste, viu meu amigo, mas NÃO É.

Agora estamos enfrentando uma onda de Clarice Lispector e Bob Marley. Quer dizer: o SER pensa (ou não) que é maconheiro e ouviu o som do Bob a vida inteira, mas NUNCA soube do que se tratava, não pegou mensagem NENHUMA, porquê cadê que o anta fala inglês? Cadê? Mas não se furta em postar qualquer merda que venha assinada como Bob Marley. O movimento Rasta e tal. Pergunta lá sobre os Rastafaris e prepare-se para ouvir algo sobre cabelos e só. Sobre a Clarice Lispector eu não vou nem falar, tá? Não preciso explicar, creio eu. Quero que levante a mão quem, dos inteligentões, já leu uma mísera obra desta senhora.

Bem, eu, como  não sou inteligentona e até assumo achar esses treco de poesia e filosofia e todas essas sabedorias um pé no meio do saco, informo-lhes que AMO, sou louca por Hilda Hilst, apenas porque gosto e fim. Acho realmente fantástico e nem é por nada transcedental não. Suas convicções, o conteúdo e a temática me agradam muito e conheço sua obra a fundo. Vi, gostei, fui atrás e li tudo. Coincidencia ou não, Gabi, minha irmã, atriz teza da família, até já atuou em uma peça cujo texto era quase todo baseado nos poemas de Hilda. E aí vai o meu preferido:



"Devo viver entre os homens

Se sou mais pêlo, mais dor

Menos garra e menos carne humana ?

E não tendo armadura

E tendo quase muito de cordeiro

E quase nada da mão que empunha a faca

Devo continuar a caminhada ?

Devo continuar a te dizer palavras

Se a poesia apodrece

Entre as ruínas da CASA que é a TUA alma ?

Ai, luz que permanece no meu corpo e cara:

Como foi que desaprendi de ser humana?

costuro o infinito sobre o peito

e no entanto sou água fugidia e amarga

e sou crível e antiga como aquilo que vês:

pedras, frontões no todo inamovível.

Terrena, me adivinho montanha algumas vezes.

Recente, inumana, inexprimível.

Costuro o infinito sobre o peito.

Como aqueles que amam."
 
HILDA HILST
 
Tá, passou, passou. Vamos falar mal de alguém aí, porra.

4 comentários:

Bizarro disse...

Só porque não sou cuzão, faço minha citação:

Feijoada à Minha Moda

Vinicius de Moraes


Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora — perdoe — tão tarde

(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.

Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho

E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte

Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho — e o que mais for azado

Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo.

Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque on the rocks

Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão

E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas

De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)

E — atenção! — segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.

Feito o quê, retire-se o caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso

Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.

Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de lingüiça

Enquanto ao lado, em fogo brando
Dismilingüindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso

Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.

Uma farofa? — tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) — e chega

Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da lingüiça na iguaria — e mexa-se.

Que prazer mais um corpo pede
Após comido um tal feijão?
— Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...

Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta...— jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes

Paulinas disse...

Mas eu SABIA que vc ia entender.

Gerson disse...

Paulinas, duas lágrimas silenciosas rolaram pelo canto direito do meu olho durante a leitura desse teu texto. Obrigado, de verdade.

Paulinas disse...

Hildoca rules. Essa véia era do babado.